
Wicca, ou a Arte dos Sábios, é o termo pelo qual hoje é conhecida a mais antiga prática religiosa do ocidente. A palavra wicca vem do inglês arcaico wicce – dobrar ou moldar, ou de wish, de raiz anglo-saxã, que significa vidente e se relaciona com a palavra inglesa witch – bruxa, originalmente mulher sábia.
A representação mais antiga que se conhece de uma divindade encontra-se na Caverne des Trois Frères, em Ariège e data do final do período paleolítico (Idade da Pedra Lascada - 1 milhão de anos atrás até 10 000 a.C)
A figura é de um homem vestido com a pele de um cervo ou veado, usando na cabeça chifres desse animal, desenhado na parte superior da caverna; abaixo dele e à sua volta há representações de animais pintados de maneira magistral, característica do artista do paleolítico. Levando em conta a posição relativa das figuras, o homem ocupa uma posição dominante e está no ato de realizar uma cerimônia na qual os animais tomam parte. Embora a pintura dos animais esteja localizada onde pode ser facilmente vista por um observador, o homem com chifres só pode ser visto da parte da caverna onde o acesso é mais difícil. Esse fato sugere que um alto grau de divindade era atribuído a essa representação.
De acordo com antropóloga Margaret Murray, seu significado só pode ser compreendido pela analogia, mas os elementos são suficientes para que possamos crer que o homem representa o Deus Encarnado, prestes a realizar uma dança sagrada.
Diz Gerald Gardner em The Meaning of Withcraft: “Ele é o antigo deus fálico da fertilidade que veio dos primórdios do mundo.”
Os ritos mágicos primitivos tiveram origem no costume dos homens do paleolítico de vestirem-se para a caçada com pele e cornos de animais, assumindo desse modo o papel de Deus da Caça. A persistência dessa forma ritual foi observada até menos de cem anos, quando os índios Mandan executavam a Dança do Búfalo para o mesmo propósito.
O Homo sapiens sapiens já vivia há cerca de 40 000 anos, e é o responsável por essas representações, assim como pelas pinturas nas paredes de outras cavernas como a de Lascaux, na França e de Altamira, na Espanha.
Nesse período a temperatura na Europa caia rapidamente e grandes lençóis de gelo ocupavam a Terra. A glaciação matou a vida vegetal e a sobrevivência dos clãs dependia da caça. As pinturas representavam o espírito dos animais que nossos ancestrais desejavam caçar e foram a primeira forma de magia simpática reconhecida pelos historiadores.
No início de neolítico, os grandes lençóis de gelo retrocederam, e as sociedades nômades de caça deram lugar às sociedades sedentárias. Quando os humanos caçadores-coletores que habitavam as florestas começaram a desenvolver essas sociedades agrícolas, trouxeram consigo as antigas deidades do mundo selvagem. O Deus de cornos de gamo da floresta foi transformado um Deus com cornos de bode dos pastos, provavelmente pela necessidade de se domesticarem animais numa sociedade agrícola. E, nessa sociedade o Deus da floresta tornou-se também o Deus das colheitas.
O foco do antigo culto, no entanto, não era centrado numa forma masculina, mas numa forma feminina. Os primeiros ancestrais da expressão do paganismo cultuavam uma Deusa Mãe que refletia a misteriosa natureza das mulheres, a qual lhes consentia sangrar por dias sem enfraquecer e gerar outra vida humana. E, se a vida provinha da mulher que ‘engravidava dos deuses deitada ao luar’, toda a criação provinha de uma divindade feminina.
O desconhecimento dos homens, até a Idade do Bronze, sobre a relação entre o ato sexual e a concepção, e a crença de que as mulheres engravidavam deitadas ao luar, estabeleceram um profundo respeito ao feminino e aos mistérios da procriação, dando origem ao conceito do Divino Feminino e ao culto da Deusa Mãe como criadora do mundo.
Embora se ignore se a Deusa existiu primeiro ou se Deusa e Deus evoluíram juntos, é certo que o sucesso da caçada e a sobrevivência dos clãs dependia da fertilidade dos animais e a fertilidade foi e é um dos maiores atributos da Deusa.
Imagens neolíticas de figuras femininas poderosas foram encontradas em dezenas de lugares espalhados pelo planeta, como a Deusa de Willendorf, a do Rio Nilo e a impressionante estatueta de uma mulher dando á luz sentada num trono e cercada por animais, de Çatal Hüyük na Turquia, datada de 5750 a.C
A RELIGIÃO
Para os pagãos, os Deuses são a própria natureza e, por isso, a preservação dela é a essência da Religião da Deusa. O princípio da imanência está em tudo. Ela é onipresente na vida e em cada ser humano. A Antiga Fé não vê a divindade como algo á parte da natureza. Ela é o mundo, a terra, e todas as coisas que existem. Rios, mares, árvores, pedras são a própria divindade manifesta.
O paganismo como religião começou a tomar forma no período mesolítico e se estabeleceu definitivamente entre os povos do neolítico, cuja cultura e sobrevivência estavam diretamente ligadas á terra.
Nessa época, as tribos deixaram a vida nômade para se estabelecerem em comunidades sedentárias agrícolas. Através da observação, pelas mulheres, dos ritmos da terra, a agricultura foi sistematizada pelos homens.
Desenvolveram então rituais sazonais de adoração á natureza observando a própria natureza e a trajetória do sol ao longo do ano. Tais ritos acompanhavam o ciclo das estações, a semeadura, crescimento e colheita das lavouras e fertilidade os animais.
Embora fosse a Deusa foco dos cultos, era em torno da figura do deus que girava a Roda do Ano. Nos ritos, bem como na religião como um todo, o deus personifica o Sol e sua passagem pelo céu. A Deusa personifica a lua e seus ciclos, bem como toda a natureza vegetal. Ela é a mãe, ele o filho/amante; ela a semeadora, ele a semente. Ele é a caça e também o caçador. Ela dá a vida e chama para a morte.
A Roda do Ano, composta por oito rituais, é um síntese de séculos de história, desde os ritos de caça e de culto aos mortos do paleolítico, aos ritos apropriados a fertilidade da terra e dos rebanhos do neolítico.

A Roda do Ano:
YULE, o solstício de inverno. A Festa de Renascimento do Sol celebra o nascimento do Deus Sol após a noite mais longa do ano. Ele passa a governar a parte escura do ano.
IMBOLC, o 1º. Festival do Sol. Os campos são purificados e preparados para a semeadura, enquanto se celebra o crescimento da Criança Divina nascida no Yule.
EOSTRE, o equinócio de primavera, tempo da semente brotando na terra. O dia e a noite são iguais e a Criança Divina vai se tornado o jovem caçador.
BELTAINE, o Festival da Fertilidade celebra a força vital da natureza e se acendem os fogos que vão iluminar o caminho do verão. O Deus jovem e a Deusa se unem.
LITHA, o solstício de verão é a época do grão amadurecido. É no ápice que inicia a decadência. A Deusa passa a governar a parte clara, o Deus torna-se adulto.
LAMMAS, o primeiro festival da colheita, comemora a união fértil dos deuses em Beltaine. O Deus adulto de Litha inicia seu processo de amadurecimento.
MABON, o equinócio de outono, celebra segundo festival da colheita. Os frutos da terra são todos colhidos e o Deus começa a envelhecer.
SAMHAIN, o Festival dos Mortos, marca a volta da estação fria e a morte do Deus, que renascerá em Yule. Acontece em 31 de outubro, dia do Ano Novo Celta.

Com o início da Idade do Ferro, as ilhas britânicas ficaram isoladas e dessa forma as crenças celtas transformaram os ensinamentos importados numa religião única.
Quando uma Roma cristianizada invadiu a Europa no sec. VII d.C, iniciou-se a conversão dos povos pagãos a nova religião do Cristo.
Cinco séculos mais tarde, aqueles que não aderiram á nova religião passaram a sofrer a perseguição da igreja. Mas foi no ano de 1484 que essa perseguição tornou-se oficial, com a assinatura da Bula de Inocêncio VIII, dando aos inquisidores Heinrich Krames e James Sprenger poderes de vida e morte sobre os pagãos seguidores da Antiga Fé.
Durante 4 séculos, milhares de pessoas foram torturadas e mortas sob o pretexto de servirem ao demônio, genocídio perpetrado na época em que se formavam as nações modernas.
A Santa Inquisição transformou o Deus de Chifres no demônio cristão e o Sagrado Feminino em feiticeiras malignas queimadas em fogueiras.
A Antiga Fé teria sido completamente varrida da história, não fossem os poucos que conseguiram escapar do braço secular da igreja e levado os ensinamentos antigos para as sombras da História.
O paganismo desses povos foi resgatado nos sec XIX e XX por antropólogos como Margaret Alice Murray, Gerald Gardner e Charles Godfrey Leland que escreveu, em 1899, Aradia Golpel of Witches.
Os neo-pagãos chamam de WICCA a Antiga Fé. Mas, mesmo estabelecida como religião, a WICCA tateia no escuro a procura de suas raízes. Afinal, a pré-história nos deixou apenas resquícios de suas civilizações e a História, como sempre, é escrita pelos vencedores.
** Esse texto é tão somente a introdução das variadas facetas da Religião da Deusa que serão desenvolvidas aqui, e foi extraído de dois diferentes trabalhos:
O Paganismo para USP, junho/2010 e A Religião da Grande Mãe para o jornal O Exotérico, maio 2002, ambos de autoria de Mara Barrionuevo.
** Referência a autores no corpo do texto
** Referência a autores no corpo do texto
** Imagens retiradas da Net
** Bibliografia recomendada:
Gardner, Gerald – Bruxaria Hoje
Grimassi, Raven – Os Mistérios Wiccanos
Heinrich Krames e James Sprenger – Malleus Maleficarum
Murray, Margaret – The Witch-Cult in Western Europe
Prieto, Claudiney – Wicca A Religião da Deusa
Starhawk – Spiral Dance
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